domingo, 6 de fevereiro de 2011

Professora não é “tia”


Ms. Loy era a professora de 5ª série da minha filha em uma escola pública de Nova York. Só fomos conhecer o seu primeiro nome – Julia – no final do ano letivo, quando trocamos endereços a fim de continuarmos o contato após nosso retorno ao Brasil.

Para uma criança de 10 anos acostumada nas escolas brasileiras a chamar todos os professores de “tia” fulana ou “tio” sicrano, o tratamento formal e respeitoso Senhorita, Senhor ou Senhora era, no mínimo, diferente. Na escola norte-americana, eu também sofri a minha cota de estranhamento ao não ser chamada de “mãezinha”, mas Sra. Cunha (meu último sobrenome).

Antes que os nossos compatriotas sensíveis e afetivos pensem que a Srta. Loy era uma professora fria e arrogante, já vou dizendo: ela era uma jovem meiga, mas firme, e altamente qualificada para o cargo. Não, o diretor não era autoritário, nem a escola super rígida. Ela cumpria a sua função, ou seja, incentivava a aprendizagem de matérias específicas e valorizava a disciplina. Questão de cultura, então? Sim, pode ser... Será?

Uma cultura que, diferentemente dos povos de países desenvolvidos e democráticos, abandonamos há uns quarenta anos. Qual foi mesmo a corrente psicopedagógica que instituiu essa forma “carinhosa” de tratar os mestres dos nossos filhos? Gostaria de propor uma homenagem ao seu idealizador: construir uma estátua em cada praça. O país ficou menos violento, os jovens mais educados, a família mais feliz e a escola, principalmente a pública, mais competente.

Vale uma passadinha em Paulo Freire no “Professora, sim; Tia, não!”, onde o educador traz para o debate a desvalorização do professor, transformado “num parente postiço”, conformado com os baixos salários, as péssimas condições de trabalho, a falta de tempo para estudar... e o desrespeito. Os laços afetivos foram supervalorizados e o compromisso da escola com a construção do conhecimento foi esquecido.

Vamos combinar, escola não é lugar para resolver carências afetivas, para isso existem a família e as terapias. Pior, no Brasil do século XXI não só os professores, mas inúmeros outros profissionais foram transformados em “tios” e “tias”: pediatras, dentistas, psicólogos, treinadores... É um parentesco sem fim que confunde a todos. Vamos mudar isso?


Legenda foto: Julia Loy e Camila Bitar